Asas foram concedidas por Deus para que os seres que as possuem voem para a liberdade. As minhas asas foram concedidas pela magnitude esplêndida da literatura, em busca da supra realidade. -Karina L.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Lucidezes - CONTO

As luzes piscavam com intervalo de segundos simultaneamente, fazendo-o lembrar da maravilhosa Las Vegas vista em filmes hollywoodianos.
Aproximou-se do pinheiro artificial que fora montado no hall. O reflexo da bola vermelha reluzente transmitia a imagem do seu nariz imperfeito. Nariz grande, algo que odiava ter herdado. Genética paterna.
Na noite passada caminhara pela praça japonesa que fora inaugurada no início do ano. Haviam montado uma imensa estrutura iluminada lembrando uma árvore natalina. Não podia negar. O hotel que gerenciava ficara ainda mais bonito com todas aquelas luzes, pelo menos seus clientes elogiavam a decoração.
Detestava natal, talvez pelo fato de ter se tornado um homem solitário. Preparar aquela árvore com enfeites natalinos trouxe uma profunda nostalgia.
Lembrara da casa de seus pais onde passara todos os natais de sua infância. Sua mãe, uma mulher bondosa fazia questão de preparar um banquete reunindo toda sua família, mesmo parentes distantes, era a única ocasião em que todos se encontravam. Sentira pela primeira vez a dor de perder alguém que realmente amasse. A pobre mulher morrera e nunca mais seu Natal foi o mesmo.
Comprara o pinheiro, as luzes, as bolas cintilantes, o velhinho simpático chamado Noel, tudo para receber a esperada visita. Há anos que vive sozinho num apartamento de homem solteiro. Tudo básico. A companhia mais agradável é a TV com seus duzentos e oitenta canais pagos mensalmente. Não escolhera viver desta forma, a vida quis assim; era confortante e ao mesmo tempo a forma mais covarde de encarar os fatos. Culpar um suposto destino.
Reviver o Natal é remexer no passado. Já estava acostumado à solidão.
Uma noite após o longo dia de trabalho, encontrou sob a mesa um bilhete grotesco de sua traiçoeira namorada. Namoro que durou um ano e sete meses.
Havia comprado queijo e vinho no trajeto de casa, tinha a intenção de ter uma longa noite de sexo – naquele momento amor – estava cansado da rotina. Percebeu que não era o único na relação que estava entediado. Ela se fora deixando um papel ridículo, com um recado ridículo e uma atitude ridícula. Depois de tudo o que havia feito naquela relação, o mínimo que esperava era uma despedida quente. Ilusão. Desde então não se apaixonou por ninguém e o máximo que tinha, eram umas escapadas com garotas de programa. Acreditava veemente nas suas necessidades masculina.
Recuperando-se de seu devaneio, cambaleou até a cozinha para certificar-se de que o pernil estava assado, o vinho estava na temperatura certa, e as luzes da árvore realmente estavam piscando. Visivelmente estava tudo pronto.
Foi até o lavabo, escovou os dentes, perfumou-se. Seu aspecto estava agradável. Esforçou-se para não sentir a absurda ansiedade, algo inevitável.
Resolveu apagar as luzes e espiar através da cortina, atitude patética pensou. Ficar tempo demais longe do convívio social faz as pessoas agirem como se estivessem saindo de uma caverna. Iluminou a casa novamente para não parecer abandonada. Olhou apreensivo o relógio. Odiava esperar, era realmente humilhante a tendência à ansiedade.
Voltando ao sofá, pegou o livro que tinha abandonado para as atividades daquela tarde, começou a ler. Inquieto percebeu que se passaram onze minutos do horário marcado.
Dirigiu-se a cozinha, aflito, abriu a garrafa de vinho, acendeu um cigarro mentolado, tragando com muita força. Sentiu uma leve calma. Bebeu, fumou. As horas foram passando, percebendo que não viria mais ninguém.
Sentiu vontade de vomitar, mas não fez. Sentiu-se a pessoa mais miserável do mundo. Natal, todas as famílias se reuniam e comemoravam, exceto ele. Deixara sua família e a cidade onde nascera para viver no litoral. Trabalhando oito horas diárias gerenciando um hotel, tinha um bom carro e um confortável apartamento. Decidira não sair do litoral, era perda tempo.
Conhecera uma mulher num bar próximo ao resort. Insinuava-se para ele como se fosse o único homem no local. Aproximou-se, tomaram um drinque. Fizeram sexo na mesma noite, ela usara sua camisa e preparou um café pela manhã. Sentiu que aquela companhia ajudou a inflar seu ego. Desde então decidiu conhecê-la melhor.
Mulher atraente, olhos castanhos profundos, batom vermelho fazendo sua boca parecer ainda maior. Qualquer homem a desejaria. E ele a desejou naquela noite, a desejou todas as noites. Algo em sua atitude denunciou e o fez sentir que suas palavras não pareciam verdadeiras quando prometera passar o Natal juntos. Ela não apareceu e sua intuição não o traiu.
Mais uma vez ficou sozinho, abandonado. Custou acreditar que o problema era com ele. Acendeu outro cigarro, abriu outra garrafa de vinho. Teria que aproveitar o pernil para o almoço no dia seguinte.
À meia noite, tirou a roupa formal que usara, deitou-se no chão e começou a refletir. Pensou que definitivamente não tinha sorte com mulheres e decidiu encerrar sua quota de decepções.
Na sexta- feira à noite, depois de encerrar seu expediente rotineiro, tomaria um banho gelado, compraria energético, cigarro mentolado, e freqüentaria uma boate GLS. Teria de fazer isso logo.

 
©2007 '' Por Elke di Barros